DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE. COMO TIRAR O NOME DO PAI DO REGISTRO.

Mulher de blazer branco, com expressão séria e mão no queixo, simbolizando reflexão. A imagem acompanha um artigo sobre como tirar o nome do pai do registro de nascimento.

Um Pai Que Nunca Foi Meu: Uma Crônica Sobre Paternidade e a Desconstituição de Paternidade

Ele nunca esteve lá. Nunca segurou minha mão ao atravessar a rua, nunca me ensinou a andar de bicicleta, nunca me esperou na porta da escola. Mas, ainda assim, ele estava lá, escrito na minha certidão de nascimento, ocupando um espaço que nunca lhe pertenceu.

Era um pai no papel, mas não na vida. E um nome impresso não preenche vazios, não consola noites de choro, não compartilha silêncios e confidências. Não basta estar escrito para ser real.

Eu cresci sem ele, mas carregando o peso de sua existência invisível. O sobrenome que ele me deu era um lembrete constante de quem eu deveria ser, mas nunca fui.

Houve um dia em que me perguntaram sobre ele. "Onde está seu pai?". E eu não soube responder. Não porque não sabia o paradeiro dele, mas porque a pergunta errada foi feita. O que deveriam ter me perguntado é: "Ele já foi seu pai?". Porque ser pai é mais do que ter um nome num documento. Ser pai é existir para o filho. E ele nunca existiu para mim.

Foi por isso que fui à Justiça. Primeiro, para tirar seu sobrenome. Depois, para algo maior: para dizer ao mundo que ele nunca foi meu pai. Que eu nunca fui seu filho. Que um papel é só um papel quando não há história por trás dele.

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Essa crônica retrata a realidade de milhares de pessoas que carregam um nome na certidão de nascimento, mas nunca tiveram um pai na vida. São histórias de abandono, ausência e uma paternidade que nunca se concretizou além do papel. Mas, ao mesmo tempo, são histórias de luta por identidade e por um reconhecimento que vá além do biológico: um reconhecimento que respeite a verdade de quem sempre esteve sozinho.

Falta de vínculo de socioafetividade leva Terceira Turma a manter desconstituição de paternidade

Foi essa realidade que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que motivou uma decisão emblemática. O caso envolveu um jovem que, assim como tantos outros, buscava a desconstituição da paternidade devido ao abandono afetivo e material.

Desde pequeno, ele sofreu bullying pelo sobrenome paterno, atrelado a um crime cometido por seu genitor. A perseguição e a marginalização foram tão intensas que ele precisou mudar de escola diversas vezes. Em 2009, conseguiu a autorização judicial para retirar o sobrenome do pai, mas isso não foi suficiente. O nome ainda estava lá, na certidão de nascimento, como uma marca de um vínculo que nunca existiu.

A decisão do STJ reconheceu que a paternidade não pode ser reduzida a um vínculo biológico, mas deve incluir afeto, presença e responsabilidade. A ministra Nancy Andrighi destacou que, assim como a socioafetividade pode criar um vínculo de filiação, sua ausência também pode justificá-lo.

Os registros do processo mostraram que, além de nunca ter exercido a função paterna, o genitor rompeu qualquer laço ao se afastar completamente do filho após sua prisão. Ainda que o crime em si não fosse motivo suficiente para romper a filiação, o abandono afetivo e material por mais de 25 anos demonstrou a quebra dos deveres parentais, tornando justificada a desconstituição do vínculo.

Explicação Técnica Sobre o Vínculo de Parentesco e Suas Consequências Jurídicas

O vínculo de parentesco, especialmente o de filiação, não é apenas um dado biológico; ele carrega uma série de direitos e deveres entre pais e filhos. A Constituição Federal, no artigo 227, estabelece que é dever dos pais criar, sustentar e educar seus filhos. Já o Código Civil, nos artigos 1.694 a 1.710, define que a filiação também gera obrigações patrimoniais e sucessórias.

Entre as principais consequências do vínculo de parentesco, podemos destacar:

  • Dever de sustento: o pai tem a obrigação de prover alimentos ao filho enquanto ele não for capaz de se manter sozinho.
  • Direito à herança: mesmo sem convivência, um filho tem direito à herança deixada pelo pai, salvo se houver desconstituição da paternidade.
  • Obrigação de assistência na velhice: assim como o pai deve cuidar do filho menor, o filho tem o dever de prestar assistência ao pai idoso ou em condição de necessidade.
  • Direitos emocionais e de convivência: apesar de muitas vezes ignorados, esses laços também são considerados nos tribunais.

Quando um pai se ausenta completamente da vida do filho e quebra esses deveres, a Justiça pode ser acionada para avaliar se ainda há um vínculo parental legítimo.

Explicação Técnica Sobre a Desconstituição da Paternidade e Suas Consequências Jurídicas

A desconstituição da paternidade é o processo judicial que rompe o vínculo legal entre pai e filho, extinguindo todas as obrigações e direitos recíprocos. Esse procedimento pode ser solicitado quando há ausência de laços biológicos ou socioafetivos, como no caso relatado na crônica.

Quais são as consequências da desconstituição da paternidade?

  • Fim da obrigação de sustento: o filho não poderá mais exigir pensão alimentícia.
  • Perda do direito à herança: o filho deixa de herdar bens do pai, e o pai deixa de herdar bens do filho.
  • Extinção da obrigação de assistência na velhice: o filho não precisará prestar auxílio financeiro ou emocional ao pai.
  • Alteração do registro civil: o nome do pai pode ser removido da certidão de nascimento.

A decisão do STJ reforça um entendimento moderno da paternidade: ela não se baseia apenas no sangue, mas também na presença, no afeto e na responsabilidade. Se esses elementos não existem, a desconstituição do vínculo se torna uma forma de justiça para quem passou a vida carregando um nome e um parentesco que nunca foram reais.

Imagine a situação absurda se o STJ não reconhecesse esse direito. Filhos abandonados na infância e na juventude, que nunca receberam afeto, sustento ou qualquer tipo de suporte, seriam obrigados, anos depois, a prover assistência financeira e emocional a pais que os ignoraram por toda a vida. E essa realidade não é incomum: há inúmeros casos de pais que, ao chegarem à velhice, recorrem à Justiça para exigir amparo de filhos que nunca criaram.

Isso demonstra a importância da desconstituição da paternidade como um mecanismo de proteção. Se um pai não exerceu suas obrigações quando deveria, não pode buscar benefícios quando lhe for conveniente.

Regularize Sua Situação e Evite Surpresas no Futuro

Se você vive uma situação semelhante, não espere para agir. A desconstituição da paternidade não é apenas um direito, mas uma forma de garantir que você não será surpreendido no futuro com obrigações que nunca deveriam ter sido suas. Muitos filhos abandonados acabam enfrentando ações judiciais movidas por pais ausentes que, ao chegarem à velhice, tentam forçar um vínculo que nunca existiu.

Buscar a regularização dessa situação pode evitar transtornos futuros e garantir que sua identidade esteja de acordo com sua verdadeira história de vida. O STJ já demonstrou que a Justiça está do lado da verdade e da dignidade. Se a paternidade não foi construída com afeto e responsabilidade, não há por que carregar esse peso.

A paternidade não se impõe por um nome num documento. Ela se constrói com presença, afeto e compromisso. Se essas bases nunca existiram, a Justiça pode intervir para devolver a identidade a quem sempre esteve sozinho.

PASSO A PASSO PARA ENTRAR COM UMA AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE PATERNIDADE

1. Primeiro passo: Procure um advogado

O primeiro passo para dar entrada nessa ação é procurar um advogado especializado em Direito de Família. O advogado vai analisar o seu caso específico, verificar se há fundamentos jurídicos suficientes e preparar o processo corretamente.

Isso porque a desconstituição da paternidade é um tema sensível e complexo, e cada caso precisa ser analisado individualmente.

2. O que é essa ação?

A ação de desconstituição de paternidade é um processo judicial que busca anular o vínculo jurídico entre um pai e um filho quando há motivos para isso. Se for aceita, essa ação pode remover o nome do pai do registro de nascimento e extinguir os direitos e deveres entre pai e filho, como herança e pensão alimentícia.

3. Em quais casos essa ação pode ser ajuizada?

Essa ação pode ser proposta em algumas situações específicas:

Falta de vínculo socioafetivo → O pai nunca exerceu a paternidade, não criou, não cuidou e não manteve nenhum tipo de relação afetiva com o filho.

Erro no registro civil → O pai registral descobriu que não é o pai biológico ou o filho percebeu que foi registrado por alguém que não tem vínculo biológico com ele.

Fraude ou dolo → O registro foi feito de má-fé, por exemplo, alguém reconheceu a paternidade sabendo que não era pai biológico por interesse próprio ou para esconder a identidade do verdadeiro pai.

Coação ou pressão psicológica → O reconhecimento foi feito por pressão da família, da mãe ou da sociedade, sem que houvesse certeza da paternidade.

Se o seu caso se encaixa em algum desses cenários, essa ação pode ser o caminho correto.

4. Qual a fundamentação legal?

Os principais dispositivos legais que embasam essa ação são:

📌 Constituição Federal (artigos 227 a 229) → Determina o princípio da paternidade responsável e os deveres dos pais para com os filhos.

📌 Código Civil (artigo 1.604) → Permite contestar a filiação quando há erro ou falsidade no registro.

📌 Código Civil (artigo 1.601) → Trata da negatória de paternidade.

📌 Jurisprudência do STJ → Já há decisões reconhecendo que a ausência de vínculo socioafetivo pode justificar a desconstituição da paternidade.

5. Quem são as partes do processo?

🔹 Autor: A ação de desconstituição de paternidade pode ser ajuizada por:

O filho → Quando deseja desconstituir a paternidade de quem o registrou, por ausência de vínculo afetivo ou erro no registro. Se for menor de idade, a mãe ou o tutor legal pode ingressar com a ação em seu nome.

O pai registral → Quando deseja desconstituir a paternidade por ter descoberto que não é o pai biológico e deseja corrigir o registro.

🔹 Réu:

Se o filho propõe a ação: O pai registral será o réu, pois ele é o detentor do vínculo jurídico de paternidade que o filho deseja desconstituir.

Se o pai propõe a ação: O filho registrado será o réu, pois é ele quem detém o vínculo que o pai deseja desconstituir.

✅ Se o pai faleceu: Os herdeiros do falecido, isso porque não se trata de uma ação patrimonial, mas sim de uma ação que pode gerar efeitos sucessórios (como a exclusão do nome do pai do registro e, consequentemente, a perda de direitos hereditários).

6. Onde essa ação deve ser ajuizada? (Competência)

A ação de desconstituição de paternidade tem natureza de ação de estado, ou seja, trata de um direito pessoal e indisponível. Por isso, a competência para o julgamento segue as regras do Código de Processo Civil (CPC):

📌 Se o pai registral estiver vivo:

  • Se o filho entra com a ação contra o pai → O processo deve ser ajuizado na Vara de Família do foro do domicílio do pai registral, conforme o artigo 46 do CPC, que determina que a ação deve ser proposta onde reside o réu.
  • Se o pai entra com a ação contra o filho → O processo deve ser ajuizado na Vara de Família do foro do domicílio do filho, pois ele será o réu da ação.

📌 Se o pai registral for falecido:

Como se trata de um direito personalíssimo, a ação não se extingue com a morte do pai, pois seus herdeiros respondem no processo.

Assim, a ação deve ser ajuizada no foro do último domicílio do falecido (artigo 48 do CPC).

7. Existe um prazo para entrar com essa ação? (Prescrição e Decadência)

O prazo para ajuizar a ação varia conforme o fundamento do pedido:

🟠 Se o pedido for baseado em erro, dolo ou coação no registro civil:

O prazo para anulação da paternidade segue o artigo 178, inciso II do Código Civil, que estabelece o prazo de quatro anos.

⏳ O prazo começa a contar a partir de:

  • Erro ou dolo → O prazo de 4 anos começa a contar da data do registro.
  • Coação → O prazo de 4 anos começa a contar do momento em que a coação cessou.

🔹 Exemplo: Se um homem foi coagido a registrar uma criança como sua e só depois descobriu que não era pai, ele tem 4 anos a partir do fim da coação para entrar com a ação.

🟢 Se o pedido for baseado na ausência de vínculo socioafetivo:

Não há prazo específico, pois trata-se de direito existencial e não patrimonial.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que ações que envolvem estado de filiação não prescrevem, pois são questões que afetam a identidade e a dignidade da pessoa.

🔹 Exemplo: Um filho que nunca teve qualquer contato ou vínculo com o pai pode ajuizar a ação a qualquer tempo, pois não há prazo decadencial.

8. Quais provas podem ser usadas no processo?

Para que o juiz aceite a desconstituição da paternidade, é fundamental apresentar provas que demonstrem o motivo do pedido. Algumas provas importantes são:

📄 Registro de nascimento → Para comprovar a filiação atual.

🧬 Exame de DNA → Se houver dúvida sobre a paternidade biológica.

📞 Trocas de mensagens ou e-mails → Se mostrarem abandono ou ausência de contato.

📢 Testemunhas → Amigos ou familiares que possam confirmar a ausência de vínculo ou a existência de erro/fraude no registro.

📑 Histórico de falta de pensão → Se o pai nunca ajudou financeiramente.

📝 Laudos psicológicos → Para comprovar os impactos do abandono afetivo.

Criança e Adolescente podem Ingressar com essa ação ou precisam esperar a maioridade?

✅ Sim, o menor pode ajuizar essa ação, mas sempre representado por seu responsável legal (pai, mãe ou tutor).

📌 Fundamentação Jurídica:

  • Artigo 71 do Código de Processo Civil (CPC) → "O absolutamente incapaz será representado, e o relativamente incapaz será assistido por seus pais, tutores ou curadores."
  • Artigo 2º do Código Civil → "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
  • Artigo 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) → O menor pode ser assistido pelo Ministério Público caso seus responsáveis não promovam a defesa de seus direitos.

➡ Ou seja, o menor pode pleitear a desconstituição de paternidade desde que seu responsável legal ingresse com a ação em seu nome.

E se o responsável Legal não quiser ajuizar a ação?

Se o responsável legal se recusar a ingressar com a ação, o Ministério Público pode atuar em defesa do menor.

📌 Fundamentação jurídica:

Artigo 201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) → O Ministério Público deve intervir e atuar nos casos que envolvam interesses individuais, difusos e coletivos de crianças e adolescentes.

➡ Exemplo: Se a mãe ou o tutor se recusar a entrar com a ação, o próprio menor pode procurar o Ministério Público, que poderá ingressar com a ação em seu nome.

É recomendável ajuizar a ação com o filho ainda menor?

Depende do caso concreto, mas, em regra, NÃO é a melhor estratégia ajuizar a ação enquanto o filho for menor.

1️⃣ A Criança ou Adolescente Ainda Está em Formação Psicológica e Emocional

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (art. 227 da Constituição Federal e art. 4º do ECA) deve ser levado em conta.

Uma decisão judicial afetando a paternidade pode causar impactos emocionais e psicológicos significativos.

O juiz pode exigir uma avaliação psicológica, o que pode expor o menor a situações delicadas e desgastantes.

2️⃣ O Próprio Menor Pode Construir um Vínculo Socioafetivo no Futuro

A criança pode desenvolver uma relação afetiva com o pai registral ao longo do tempo, especialmente se há convívio.

Caso essa relação se fortaleça, o próprio filho pode não querer desconstituir a paternidade no futuro.

3️⃣ Risco de Prejuízo para o Filho Caso Seja Excluído do Registro

A desconstituição da paternidade afeta direitos sucessórios e pode excluir o filho de herança, pensão por morte e outros benefícios.

Se o pai registral for o provedor financeiro, pode haver impactos em pensão alimentícia e assistência material.

4️⃣ O Filho Pode Contestar a Paternidade Após a Maioridade

Ao esperar a maioridade, o filho terá plena capacidade de decisão sobre a ação, podendo refletir melhor sobre as consequências.

Quando pode ser recomendável ajuizar a ação com o filho ainda menor?

Apesar dos riscos mencionados, há situações onde pode ser estrategicamente vantajoso ingressar com a ação enquanto o filho ainda é menor:

Quando há um erro evidente no registro civil e o pai registral quer retificá-lo imediatamente.

✔ Quando há risco iminente de que a paternidade socioafetiva seja consolidada indevidamente.

✔ Quando a mãe ou o responsável deseja regularizar a filiação para garantir o vínculo com o pai biológico.

✔ Se houver risco de uso da filiação para fraude patrimonial ou sucessória.

 Na maioria dos casos, a melhor estratégia é esperar o filho atingir a maioridade para que ele possa decidir por si próprio e evitar conflitos emocionais e jurídicos desnecessários.

 Mas, em casos de erro evidente no registro, fraude ou necessidade de correção imediata, a ação pode ser ajuizada ainda na menoridade, desde que bem fundamentada.

O ideal é analisar cada caso individualmente e considerar os impactos emocionais, jurídicos e patrimoniais antes de tomar essa decisão.

Se estiver lidando com um caso concreto, procure um advogado para avaliar a melhor estratégia! 😊



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